A narrativa 12

Alan Mendonça
1 min readOct 12, 2020

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Eu durmo enquanto o meu corpo mantém na pele o entorpecimento do orgasmo — seu aroma adocicado de pétalas, sua tremura febril e a certeza de que a fome de um pelo outro foi extirpada com os trabalhos do desejo e do prazer. Com a mesma serenidade de um monge que reza para o fogo, deixo o tempo se apagar no quarto e agradeço quando a penumbra da nossa intimidade desliza na escuridão do inconsciente. Não sinto mais os meus pés no lençol da cama, nem o corpo que descansa ao meu lado, tampouco as estrelas ou a lua. Aos poucos, caminho para o sono profundo dos meus olhos, até que deixo o meu lugar no mundo e a minha vida. Uma antiga memória se aproxima da minha consciência, trazendo as vozes, o tempo e o corpo de outra época. É neste lugar impreciso dos meus sonhos que reconheço as oliveiras do caminho, as nuvens estanques no céu, o cheiro das uvas mastigadas, os olhos de esmeralda das serpentes e o vento morno do deserto. Minha voz ainda não sai pela boca, mas eu sei: depois de tanto tempo, estava de volta àquela terra.

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